Cássia Caroline Nascimento Gouveia (Serur Advogados)
O mês de novembro nos remete a questões importantes, em especial dia 20, – da Consciência Negra – a fim de que a força simbólica da sua importância gere repercussão em todo o Brasil. Mas, de antemão, precisamos remeter o tema à memória coletiva de luta da população negra na sociedade brasileira, que está em constante movimento e é representada não apenas pela morte de Zumbi dos Palmares (c. 1655-1695), maior líder de Quilombo, agrupamento que representou mais de cem anos de resistência contra o sistema escravista do Brasil.
O verdadeiro propósito da “Consciência negra” não é apenas relembrar um momento histórico, mas evidenciar o nosso lugar de fala, espaço e vivência, utilizando e aplicando os direitos sociais, no qual foram conquistados a décadas atrás.
Atualmente, a ideia de que não mais existe racismo ainda ecoa por aí, e o que mais assusta é que, em pleno 2020, ainda precisamos debater sobre o preconceito estabelecido há centenas de anos e ainda muito vivenciado,em especial, no mundo jurídico.
A propósito, sobre o preconceito dentro do universo do direito, existem inúmeros pontos a serem mencionados. Por exemplo, a falta de representatividade negra nos tribunais e escritórios. Ter a experiência de, ser o único negro no seu local de trabalho e, por isso, não se sentir representado e precisar reafirmar constantemente o seu profissionalismo para ter um papel de destaque ou de não ver um único negro sendo sócio de um escritório/empresa por falta de oportunidades iguais, são questões que comumente passam despercebidas, mas que fazem parte de um racismo estrutural enraizado na sociedade. Ainda hoje é necessário enfrentar situações de racismo estrutural
Com o passar dos tempos, algumas mudanças no meio jurídico ocorreram, é verdade. Muitos negros periféricos conseguiram ter acesso a uma faculdade de Direito e passaram a ocupar os espaços que almejaram dentro da área. Ao considerarmos isso, podemos afirmar que a questão da representatividade, aos poucos, vem mudando, mas esse movimento ainda é precário diante de uma realidade que se impõe: negros somam, hoje, 54% da população do país, mas representam apenas 1% dos advogados¹.
Para mudar essa realidade, é necessário ampliar os espaços de fala e desmistificar pautas preconceituosas, fazendo com que a nova geração pense diferente, mais “à frente”, especialmente no meio jurídico, que precisa deixar de ser conservador para ser inovador.
Falando sobre as minhas experiências dentro da área até então, posso dizer que já fui alvo, sim, de um racismo disfarçado, a ponto de não me enxergar naquele ambiente e não me sentir representada. E desde a minha primeira experiência profissional, ainda hoje, questões sobre representatividade batem na porta, mas não tanto quanto antes, porque vejo uma evolução do meu espaço nos lugares e a lenta evolução dos lugares em relação à minha existência.
Atualmente vejo uma maior representação no meio jurídico, por trabalhar num lugar em que posso ver uma chefe negra, um colega de trabalho negro, enfim, várias pessoas negras circulando. É aí que você para e reflete sobre a importância disso, porque não é só sobre pequenas conquistas individuais, mas também conquistas coletivas do movimento.
Assim, é preciso reafirmar a extrema importância de estar em um ambiente de trabalho que lhe empodera, que lhe dá poder de fala, e se posiciona no sentido do respeito às diferenças, ao estilo de vida e à visão de mundo de cada colaborador. É valiosa, portanto, a existência de um comitê de Diversidade, como um grande propulsor de visibilidade àqueles que, por muito tempo, permaneceram sem voz, influenciados por um ambiente conservador e hostil, optando em se abster, por insegurança devido a um “padrão” imposto por uma sociedade, que julga e condena os que rotulam não ser “normal”.
A ideia de diversos escritórios criarem grupos para falar e conscientizar sobre diversidade e inclusão dentro de um espaço antes muito limitado, nos faz enxergar como o meio jurídico vem aderindo às mudanças e aos avanços sociais, com pautas antes nunca discutidas de forma positiva e acolhedora. Não podemos perder a nossa voz e o nosso lugar de fala, o que é nosso por direito. Por isso, é necessário “normalizar” as diferenças, sejam elas de raça, religião, orientação sexual ou opinião política. Independente delas, juntos somos mais fortes.
1. Fonte: https://www.conjur.com.br/2020-jun-12/negros-sao-somente-advogados-grandes-escritorios
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