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30 Anos de Dezembro Vermelho: os direitos e a dignidade das pessoas vivendo com HIV.

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Um ano após o ato de protesto em 1987, durante a terceira Conferência Internacional de AIDS, em Washington, promovida pela ONG americana ACT UP para lembrar e homenagear vítimas da AIDS, foi instituído o dia primeiro de dezembro como o Dia Mundial de Luta contra AIDS. Trinta anos depois, o combate ao preconceito e aos estigmas permanecem. Apesar disso, diversos avanços em relação a tratamentos e direitos das pessoas vivendo com HIV foram conquistados, sendo o Brasil uma verdadeira referência em relação a um programa de saúde pública de combate ao HIV/AIDS.

 

Quando mais rapidamente diagnosticado e iniciado o tratamento, as pessoas vivendo com HIV têm maiores chances de ter uma vida saudável, a exemplo de conseguirem controle de sua carga viral para não transmitirem o vírus para os(as) seus(suas) parceiros(as), possibilitando, inclusive, a geração de filhos por casais sorodiscordantes, sem precisarem recorrer a métodos de fertilização in vitro.

 

O Brasil não foi somente pioneiro na instituição de um programa de saúde pública e universal de combate e tratamento ao HIV/AIDS, como também, em 1989, criou a Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora do Vírus da AIDS, feita por profissionais da saúde e membros da sociedade civil com o apoio do Ministério da Saúde. O documento foi aprovado durante o primeiro Encontro Nacional de ONG AIDS (ENONG), em Porto Alegre – RS. Do referido documento, é  importante destacar os seguintes incisos:

 

    • V – Ninguém tem o direito de restringir a liberdade ou os direitos das pessoas pelo único motivo de serem portadoras do HIV/AIDS, qualquer que seja sua raça, nacionalidade, religião, sexo ou orientação sexual.

 

    • VI – Todo portador do vírus da AIDS tem direito à participação em todos os aspectos da vida social. Toda ação que visar a recusar aos portadores do HIV/aids um emprego, um alojamento, uma assistência ou a privá-los disso, ou que tenda a restringi-los à participação em atividades coletivas, escolares e militares, deve ser considerada discriminatória e ser punida por lei.

 

    • VIII – Ninguém poderá fazer referência à doença de alguém, passada ou futura, ou ao resultado de seus testes para o HIV/aids, sem o consentimento da pessoa envolvida. A privacidade do portador do vírus deverá ser assegurada por todos os serviços médicos e assistenciais.

 

    • IX – Ninguém será submetido aos testes de HIV/AIDS compulsoriamente, em caso algum. Os testes de AIDS deverão ser usados exclusivamente para fins diagnósticos, controle de transfusões e transplantes, estudos epidemiológicos e nunca qualquer tipo de controle de pessoas ou populações. Em todos os casos de testes, os interessados deverão ser informados. Os resultados deverão ser transmitidos por um profissional competente.

 

    • X – Todo portador do vírus tem direito a comunicar apenas às pessoas que deseja seu estado de saúde e o resultado dos seus testes.

 

A Declaração dos Direitos Fundamentais da PVHA foi ratificada pela Constituição brasileira, no sentido em que todas as pessoas vivendo com HIV, como todo e qualquer cidadão brasileiro, têm obrigações e direitos garantidos, um deles é o acesso ao tratamento gratuito, garantido pela lei nº 9.313/1996. Além disso, em 2014, foi publicada a Lei nº 12.984, que define o crime de discriminação aos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e doentes de AIDS.

 

Importante lembrar que a pessoa vivendo com HIV tem o direito de manter em sigilo a sua condição sorológica no ambiente de trabalho. Isso inclui testes de admissão, testes periódicos ou de demissão. O médico tem a obrigação de somente averiguar a capacidade laborativa do trabalhador nos exames legais (Art.168 da CLT), sem referência a seu estado sorológico. Em caso de violação, deve-se registrar o ocorrido na Delegacia do Trabalho mais próxima.

 

Além de todo esse resguardo, as pessoas vivendo com HIV/AIDS têm o direito ao auxílio-doença, sem a necessidade de cumprir o prazo mínimo de contribuição e desde que tenha qualidade de segurado, conforme o art. 152, inciso III, alíneas “m” e “o”, da Instrução Normativa INSS/PRES nº 45/2010. O auxílio-doença deixa de ser pago quando o segurado recupera a capacidade e retorna ao trabalho ou quando o benefício se transforma em aposentadoria por invalidez. Nesses casos, a concessão de auxílio-doença ocorrerá após comprovação da incapacidade em exame médico pericial da Previdência Social.

 

As pessoas que vivem com HIV/AIDS ou com hepatopatia grave também têm direito aposentadoria por invalidez, mas precisam passar por perícia médica de dois em dois anos, senão o benefício é suspenso. A aposentadoria deixa de ser paga quando o segurado recupera a capacidade e volta ao trabalho. Para ter direito ao benefício, o trabalhador tem que contribuir para a Previdência Social por no mínimo 12 meses, no caso de doença. Se for acidente, esse prazo de carência não é exigido, mas é preciso estar inscrito na Previdência Social. Não tem direito à aposentadoria por invalidez quem, ao se filiar à Previdência Social, já tiver doença ou lesão que geraria o benefício, a não ser quando a incapacidade resultar no agravamento da enfermidade. Já o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa incapacitada para a vida independente e para o trabalho, bem como ao idoso com 65 anos ou mais, que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem a ter provida por sua família. Esse benefício independe de contribuições para a Previdência Social. Para recebê-lo, a pessoa deve dirigir-se ao posto do INSS mais próximo e comprovar sua situação. Essa comprovação pode ser feita com apresentação de Laudo de Avaliação (perícia médica do INSS ou equipe multiprofissional do Sistema Único de Saúde), e a renda familiar e o não exercício de atividade remunerada deverão ser declarados pela pessoa que requer o benefício.

 

Em um primeiro momento, pode parecer que esses diretos garantem às pessoas vivendo com HIV uma vida digna, mas, na realidade, eles não passam do mínimo necessário ao seu alcance. É que, apesar de todo esse respaldo jurídico e assistencial, as pessoas vivendo com HIV ainda sofrem preconceito de toda sorte, sendo certo que todos os avanços relacionados ao tema ainda não foram suficientes para afastar a sua marginalização.

 

Numa era de afirmação de direitos, não mais se pode tolerar qualquer tipo de preconceito. A garantia da dignidade da pessoa humana não deve ser condicionada a qualquer fator exógeno ou endógeno do indivíduo, notadamente a sua sorologia.

 

 

 

Rebeca Lins, assistente jurídica, bacharela em Direito, membra do comitê Serur +Diversidade, ex-voluntária na ONG Grupos de Trabalho em Prevenção Posithivo (GTP+) entre 2014 e 2015.

 

 

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