Objeto de muita discussão nos Tribunais do país, a denominada “cláusula de tolerância” – aposta nos contratos de compra e venda de imóveis em construção para resguardar o incorporador em caso de atraso na entrega da obra – ganhou previsão expressa no art. 2º, da Lei nº 13.786/2018, em vigor desde 28/12/2018.
Conquanto a Lei de Incorporações Imobiliárias (Lei nº 4.591/64) dispusesse sobre a indicação das “formas de eventual prorrogação” do prazo de entrega da obra, a previsão era genérica e não indicava até quando o incorporador poderia prorrogar a conclusão do empreendimento.
Até a alteração daquela lei, para não ser condenado a pagar indenizações por ter prorrogado a entrega por mais 180 dias (prazo comumente estabelecido nesse tipo de contrato), o incorporador precisava comprovar a ocorrência de caso fortuito ou força maior nos muitos processos movidos por consumidores que questionavam a previsão contratual, algo de difícil consecução.
A despeito da reiterada ratificação da validade da previsão, pelo Superior Tribunal de Justiça, alguns tribunais locais insistiam em afastar a cláusula de tolerância, por entenderem abusiva a sua existência, fazendo-o à luz do Código de Defesa do Consumidor, notadamente o artigo 6º. Nesses casos, dificilmente se lograva êxito na reforma dessas decisões em sede de recurso especial, uma vez que, para o STJ, seria impossível rever essa conclusão sem entrar no contexto fático-probatório dos autos (o famigerado óbice da Súmula 7).
O artigo 2º, da chamada Lei do Distrato, que alterou a redação da Lei nº 4.591/64, acrescentou-lhe o artigo 43-A para prever expressamente a possibilidade de entrega do imóvel em até 180 dias (prazo já adotado pela jurisprudência) corridos da data prevista no contrato para a conclusão do empreendimento, sem que isso configure motivo para a resolução do contrato por parte do adquirente, nem dê causa ao pagamento de penalidade pelo incorporador. A exigência de clareza na redação da cláusula, contudo, permanece e o legislador acrescenta a necessidade de se dar destaque à previsão no instrumento contratual.
A inovação legislativa vem atender à indiscutível necessidade de flexibilização dos prazos de conclusão pactuados entre incorporadora e adquirente, pois é necessário reconhecer que os fatores de imprevisibilidade (clima, entraves burocráticos, falta de mão de obra), muito comuns na construção civil, por vezes são impeditivos do cumprimento da avença pelo promitente vendedor.
A questão é, portanto, muito mais complexa do que, simplesmente, a preservação do equilíbrio negocial em favor do adquirente de imóvel ainda em construção, como muitos defendem. A problemática nem sempre pode ser analisada apenas sob a perspectiva da boa-fé contratual, de forma a se negar ao incorporador a possibilidade de prorrogação da entrega da unidade. Isso seria fechar os olhos à realidade do universo da construção civil.
Imagine-se que não foram poucas as unidades imobiliárias em construção que, em razão da grave crise econômica pela qual passou (e ainda passa) o Brasil nos últimos anos, tiveram sua entrega prorrogada para além do prazo estipulado na promessa de venda e compra. Nesse cenário, em que o incorporador sentiu os efeitos do endividamento das famílias e o recurso obtido com as vendas das unidades em construção é usado para a conclusão do empreendimento, tornou-se impossível o cumprimento de prazos fixados na ocasião da contratação.
Tal é a relevância da validade da cláusula de tolerância nessa modalidade de contrato que o STJ, recentemente, ao analisar a questão da vinculação do prazo de entrega do imóvel adquirido no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, à concessão do financiamento ao adquirente e considerá-la abusiva, ressalvou o acréscimo da cláusula de tolerância reconhecida pela jurisprudência e positivada pela nova lei[1].
Espera-se que a positivação da possibilidade de prorrogação do prazo para entrega de unidades imobiliárias comercializadas, por mais 180 dias, efetivamente ponha fim às discussões travadas nos tribunais, de modo que não haja mais espaço para o entendimento que afaste a cláusula de tolerância, a pretexto da hipossuficiência do consumidor adquirente.
Brunna Quinteiro – sócia do Serur Advogados
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[1] RESP 1.729.593-SP, Segunda Seção, Dje 27/09/2019.
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