Após a edição da Lei n° 13.988/2020, que previu a possibilidade de transação de créditos da União Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) disciplinou as condições gerais para a transação de créditos tributários inscritos na dívida ativa da União, através da Portaria n° 9.917/2020. Além dos aspectos gerais da Lei já comentados, alguns pontos da portaria merecem destaque.
Inicialmente, a portaria dispõe que os créditos cujo valor seja igual ou inferior a 15 milhões de reais admitem apenas transação por adesão (via edital), ficando a PGNF autorizada a não conhecer de propostas individuais que envolvam quantia inferior. O limite compreende soma de todos os débitos do mesmo contribuinte inscritos em dívida ativa que sejam elegíveis à transação. Inclusive, o art. 15 da portaria veda a transação parcial e determina que a transação deve abranger todos os créditos elegíveis do sujeito passivo.
Na sequência, o art. 4°, §3°, da portaria aduz que caso o somatório dos débitos ultrapasse 15 milhões de reais, somente será permitida a transação individual. Contudo, podem firmar tanto transação individual quanto por adesão, os devedores falidos ou em recuperação judicial e afins, as entidades e órgãos de direito público e aqueles que tiverem débitos superiores a 1 milhão de reais que estejam garantidos ou suspensos por decisão judicial.
Os devedores interessados precisam renunciar a quaisquer alegações de direito passíveis de judicialização, inclusive requerendo a extinção das ações em trâmite que tratem dos débitos incluídos na transação.
As exceções dizem respeito apenas aos créditos garantidos, parcelados ou suspensos por decisão judicial, ou ainda aqueles em que demonstrada nítida incapacidade econômica de adimplemento. Sendo assim, caso o contribuinte não se enquadre nessas exceções, será necessário refletir acerca da viabilidade da tese jurídica enfrentada em ação judicial e a conveniência da transação.
A portaria enumera ainda os possíveis benefícios ofertáveis: o oferecimento de descontos para os créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação; o parcelamento, o diferimento ou moratória; flexibilização nas regras de garantias e de constrição de bens; além da possibilidade de compensação de créditos do contribuinte para com a União, inclusive decorrentes de precatórios.
Nos casos em que houver redução do valor do crédito, a portaria dispõe como obrigatória a redução também do encargo legal previsto no Dec. 1025/69, que terá percentual não inferior àquele aplicado às multas e juros moratórios.
Com relação aos efeitos da transação, somente haverá a suspensão da exigibilidade do débito e da execução fiscal após a aceitação da PGFN das propostas, salvo nos casos de transação individual em que houver convenção das partes nesse sentido, nos termos do art. 313, II, do CPC.
No tocante às contribuições sociais previstas no art. 195, I, “a”, e II, da CF, a portaria dispõe que não podem ser objeto de parcelamento ou moratória em prazo superior a 60 meses. Ademais, nos casos de elaboração de proposta de transação por adesão, a PGFN poderá estipular condições distintas para débitos dessa natureza. Isso demonstra o caráter especial desses tributos, que ultrapassa a finalidade arrecadatória, pois dirigidos ao adimplemento das obrigações previdenciárias constitucionalmente previstas.
A portaria traz ainda os parâmetros que serão seguidos para aceitação da proposta de transação, seja individual ou por adesão, os quais estão relacionados tanto ao crédito e a sua recuperabilidade, quanto ao sujeito passivo e sua capacidade de adimplemento.
Nesse sentido, para mensurar a capacidade de pagamento do sujeito passivo, serão utilizados todos os tipos de informações prestadas em obrigações fiscais acessórias, como Escrituração Contábil Fiscal (ECF), notas fiscais eletrônicas (NF-e), e-Social, DCTFs, DIRPF, entre outros.
Em caso de discordância com a avaliação dada pela PGFN, o sujeito passivo poderá pedir a sua revisão, com base em procedimento descrito pela própria portaria em capítulo específico. O pedido será apresentado exclusivamente pela plataforma online “REGULARIZE” da PGFN, em 15 dias, contados da ciência do sujeito passivo da sua situação ou da rejeição à transação, o qual será julgado pela unidade da PGFN competente pelo domicilio fiscal do sujeito passivo.
De acordo com essa capacidade de pagamento do sujeito passivo, os créditos serão classificados em 4 categorias crescentes de recuperabilidade, desde aqueles com alta perspectiva até os irrecuperáveis.
Nesse ponto, insta salientar que a portaria previu como irrecuperáveis: os créditos inscritos em dívida ativa há mais de 15 anos e sem garantia ou suspensão de exigibilidade, bem como aqueles com exigibilidade suspensa por decisão judicial há mais de 10 anos, também os que são devidos por empresas em processo de recuperação judicial ou falência, além dos casos em que a empresa esteja com situação cadastral no CNPJ que indique inaptidão para pagamento, por fim os débitos de pessoas físicas com indicativo de óbito e aqueles que são objeto de execução fiscal arquivada por mais de 3 anos sem bens penhoráveis.
A portaria dedica capítulos próprios para disciplinar os procedimentos da transação por adesão e por proposta individual. Em ambos os casos, definiu-se como regra que a tramitação se dará exclusivamente pelo portal REGULARIZE da PGFN, porém tanto o art. 30, §1, quanto o art. 37 trazem casos que exigem a apresentação da proposta na unidade da PGFN do domicílio fiscal do sujeito passivo, o que ocorrerá nos casos em que houver débito suspenso por decisão judicial e quando o sujeito passivo fizer proposta de transação individual.
Ato contínuo, destaque-se que a adesão à proposta da PGFN implica a manutenção dos gravames já existentes em bens do devedor, admitindo-se a sua alienação apenas com a finalidade de amortização ou liquidação da dívida.
A transação individual será aplicável aos débitos superiores a 15 milhões de reais, aos devedores falidos ou em recuperação judicial e afins, às entidades e órgãos de direito público e aos débitos superiores a 1 milhão de reais que estejam garantidos ou suspensos por decisão judicial. Para os devedores de crédito acima de 15 milhões de reais, a transação deve ser exclusivamente individual.
No caso das pessoas jurídicas que tenham interesse em propor uma transação à PGFN, deve ser preparado um plano de recuperação fiscal instruído com diversos documentos referentes à empresa, tais como relação de bens e direitos de forma ampla. Dentre os documentos exigidos, a portaria menciona a relação dos bens particulares dos controladores, administradores, gestores e representantes legais da empresa.
Apesar das exceções – não é necessária essa apresentação se o sujeito passivo tiver interesse apenas em ajustar garantia, flexibilizar constrição de bens ou utilizar créditos contra União para quitação – é passível de questionamento essa exigência de declaração do patrimônio das pessoas físicas que controlam a empresa.
Em caso de descumprimento das condições, terá início a fase de rescisão, o que permite a impugnação pelo sujeito passivo e a resposta da Fazenda, tudo pela plataforma online.
Por fim, a portaria regula a utilização de créditos do sujeito passivo contra a União para quitação dos débitos, inclusive precatórios próprios ou de terceiros, contanto que sejam cumpridas as formalidades descritas, a exemplo da expedição de escritura pública em cartório de notas e comprovante de pedido judicial para que conste a Fazenda como beneficiária do crédito.
Utilizando-se dessas faculdades, e tendo em vista a pandemia do COVID-19, a PGFN editou a Portaria n. 9.924/2020, a qual prevê a possibilidade de adesão à transação extraordinária de créditos tributários federais.
Essa transação envolve: (i) pagamento de entrada de 1% do valor total da dívida, o que pode ser parcelado em até 3 meses; (ii) parcelamento do restante em até 81 meses, sendo que a primeira parcela será diferida para o último dia do terceiro mês consecutivo à adesão.
No caso das microempresas, empresas de pequeno porte e as demais instituições abrangidas pelo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Lei n. 13.019/14), o parcelamento pode durar até 142 meses. Para contribuições sociais, o prazo de parcelamento será de até 57 meses.
A adesão à proposta depende de desistência de ações judiciais e de requerimento através do portal REGULARIZE até o dia 30/06/2020.
Essa adesão não exclui os gravames já incidentes sobre os bens do devedor, a não ser que seja para alienação com finalidade de amortização ou quitação da dívida, além do que não exclui a possibilidade de se aderir às demais modalidades de transação de créditos tributários previstas na Portaria n. 9.917/20.
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Maria Carolina Oriá, advogada especialista em direito tributário
Cristiano Araújo Luzes, sócio do Serur Advogados
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