Foi publicada, no Diário Oficial da União, a Lcp 208/24. A nova lei complementar traz mudanças relevantes, em especial a possibilidade de cessão de crédito da Fazenda Pública, de natureza tributária e não tributária, inclusive inscrito em Dívida Ativa, para entidades privadas. A lei ainda modifica o Código Tributário Nacional para incluir uma nova causa interruptiva da prescrição, além de ampliar as regras para compartilhamento de dados cadastrais e financeiros dos contribuintes para a fiscalização tributária.
O texto traz uma nova hipótese de interrupção do prazo prescricional pelo protesto extrajudicial, conforme alteração no Art. 174, parágrafo único, II, do CTN:
Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
II – pelo protesto judicial ou extrajudicial;
O protesto extrajudicial de créditos tributários é prática recorrente pela Fazenda Pública de todos os entes, por ser pouco custosa e razoavelmente efetiva. A alteração legislativa é benéfica especialmente para os Estados e Municípios, em razão do recente entendimento firmado pelo STF no Tema 1184, no sentido de que o ajuizamento da EF depende, em regra, de prévio protesto. Relembramos as teses firmadas:
Assim, a verificação da data do protesto extrajudicial é um ponto de atenção especial na análise da extinção do crédito tributário, pois será cada vez mais utilizada pela Fazenda Pública e ensejará a interrupção do prazo prescricional.
Outra novidade da lei foi o alargamento do dever de informação das entidades junto à administração tributária, conforme redação dos parágrafos acrescidos ao art. 198 do CTN.
Pela nova redação, a fiscalização poderá requisitar informações cadastrais e patrimoniais a entidades púbicas e privadas sobre o sujeito passivo de tributos. Além disso, o texto cria um dever geral de colaboração e compartilhamento de bases de dados de natureza cadastral e patrimonial.
A matéria está diretamente ligada ao Tema 990 do Supremo Tribunal Federal, em que se julgou constitucional a possibilidade de encaminhamento de dados bancários e fiscais obtidos pelo Coaf e pela Receita Federal ao Ministério Público, sem autorização judicial prévia, para fins de persecução criminal. Na Reclamação 61.944, o Supremo também decidiu pela possibilidade de requisição desses mesmos dados ao Coaf, por parte de autoridades do Ministério Público e polícia.
O próprio Supremo Tribunal Federal já havia decidido também que não configura quebra de sigilo bancário a transferência desses mesmos dados para a Receita Federal, na forma como estava previsto na LC 105/01, que autorizou à Receita Federal o acesso às informações de posse dos bancos e instituições financeiras. Para a Corte, como a Receita Federal possui o dever de sigilo fiscal, trata-se de mera transferência de dados, com resguardo perante terceiros.
Ocorre que o texto da LC 105/2001 é mais restrito em relação ao compartilhamento de dados. O art. 6º da lei determina que o exame por autoridades fiscais se dará quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e desde que tais exames sejam considerados indispensáveis, observado o sigilo. Além disso, a LC 105/01 resguarda a origem ou natureza dos gastos efetuados pelo titular dos dados compartilhados. O regulamento aplicável consta do Decreto 3.724/01, que determina a necessidade de expedição prévia do Termo de Distribuição do Procedimento Fiscal.
Portanto, os parágrafos acrescidos pela LC 208/24 representa uma ampliação nas regras de compartilhamento de dados entre instituições privadas e públicas e a Receita Federal, que pode implicar discussão judicial, pela restrição demasiada das garantias de sigilo fiscal e de proteção de dados, uma vez que: i) a regra possibilidade o compartilhamento automático de informações sem prévio processo administrativo, através da regra geral de colaboração; ii) o texto prevê que são compartilhados dados cadastrais, não apenas financeiros, o que pode implicar também informações que não são necessariamente essenciais à fiscalização tributária; iii) por fim, não restou revogada a LC 105/01, de modo que as novas disposições da LC 208/24 precisam ser interpretadas em harmonia com as disposições já vigentes.
A LC 208/24 prevê a possibilidade de cessão de créditos tributários e não tributários pela União, Estados, o Distrito Federal e Municípios, inclusive créditos inscritos em Dívida Ativa, para pessoas jurídicas de direito privado e fundos de investimento regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A cessão preserva as condições originais do crédito, tais como a natureza e origem; as respectivas garantias e privilégios aplicáveis; os critérios de atualização e juros, assim como condições de pagamento, prazos e demais avençados entre a Fazenda Pública e o devedor. A cessão abrange apenas o direito autônomo de recebimento do crédito, assim como os créditos já constituídos e reconhecidos pelo devedor ou contribuinte, inclusive mediante a formalização de parcelamento.
Ainda, a cessão precisa ser autorizada por lei específica, além de autorizada pelo chefe do Poder Executivo ou por autoridade administrativa a quem se atribui a competência para autorização. A receita de capital decorrente da venda dos créditos não poderá ser aplicada em despesa corrente, devendo ser destinada, ao menos, na proporção de 50%, a Previdência Social e o restante para despesas de investimento.
Os entes federativos poderão realizar a cessão por intermédio de sociedades de propósito específico, dispensada a licitação. Será vedado, contudo, a cessão para instituição financeira controlada pelo respectivo ente federado cedente, em mercado primário ou secundário, ou realização de operações lastreadas em créditos cedidos, sendo permitida apenas a participação da instituição financeira pública na estruturação financeira.
Tais regras terão efeito significativo na dinâmica de liquidação de direitos creditórios da Fazenda Pública, incrementando, portanto, as receitas de capital dos entes federativos. Além disso, as regras poderão ter implicações no contencioso tributário de crédito inscrito em Dívida Ativa, uma vez que a titularidade do crédito será alterada. Ainda não está inteiramente claro se os créditos inscritos em dívida ativa se preservam no procedimento especial das execuções fiscais, uma vez que o texto protege apenas as garantias e privilégios do crédito, mas não o procedimento para sua execução judicial.
Nosso time estará à disposição para dúvidas e esclarecimentos.
Análise
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