Entre as novidades já em vigor, está a prorrogação de prazos para o arquivamento de atos societários perante as juntas comerciais e para a realização de assembleias em sociedades anônimas e limitadas
O final de março trouxe novidades importantes para o campo do direito privado, em função da pandemia do covid-19 e das suas diversas consequências sobre as relações contratuais e societárias, bem como sobre os processos judiciais e administrativos. Nos últimos dias do mês, o Executivo Federal publicou uma medida provisória com impacto sobre sociedades anônimas, limitadas e cooperativas, enquanto o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou recomendação aos juízes responsáveis por ações de recuperação judicial. No Senado, foi apresentado um projeto de lei emergencial que propõe diversas alterações legislativas, incluindo o adiamento da entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e a imposição de restrições a liminares de despejo em contratos de locação.
Publicada em edição extra na segunda-feira (30.03.2020), a Medida Provisória 931/2020 autoriza, dentre outros pontos, a prorrogação da assembleia geral ordinária de sociedade anônima e da assembleia de sócios de sociedade limitada cujo exercício social se encerre entre 31.12.2019 e 31.03.2020, por um período de até sete meses. No caso das S.As, a medida não impede a declaração de dividendos pelo conselho de administração ou diretoria da pessoa jurídica, independentemente de alteração no estatuto social. Em relação às limitadas, a MP prevê a extensão dos mandatos dos administradores e dos membros do conselho fiscal até a data da realização da assembleia.
Outra mudança importante diz respeito ao arquivamento de atos perante as juntas comerciais. A MP estabelece que, a partir de 16.02.2020, o prazo para a realização de tal diligência será contado somente a partir da data em que aqueles órgãos retomarem o funcionamento regular. Além disso, fica a suspensa a exigência de arquivamento prévio de ato para fins de emissão de valores mobiliários e outros negócios jurídicos, a partir de 01º.03.2020. Tal medida deverá ser efetivada dentro do prazo de 30 dias, contados também do dia de restabelecimento da prestação normal dos serviços pela junta comercial competente.
A MP altera, ainda, o Código Civil, a Lei n. 5.764/1971 (sobre a Política Nacional de Cooperativismo) e a Lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações), para autorizar a participação e votação a distância em reuniões e assembleias.
No CNJ, o grupo de trabalho dedicado à modernização e efetividade do Judiciário nos processos de recuperação judicial e falência aprovou recomendação direcionada aos magistrados que atuam em processos de reestruturação de empresas, contendo orientações especiais motivadas pelos efeitos econômicos e sociais da pandemia de covid-19.
Entre as recomendações aprovadas, estão a priorização de análise de questões atinentes à liberação de valores em favor de recuperandas ou credores, inclusive de modo facilitado, via mandado de levantamento eletrônico; a suspensão das assembleias gerais de credores ou, em caso de urgência, a sua realização na forma virtual; e a prorrogação dos prazos de suspensão de ações e execuções contra as devedoras (stay period) até a decisão sobre homologação ou não sobre as decisões da assembleia geral de credores, quando esta precisar ser adiada em razão da pandemia.
O CNJ orienta, também, os magistrados a considerarem a ocorrência de caso fortuito ou força maior, na hipótese de inadimplemento de obrigações assumidas pelas recuperandas, bem como a autorizarem a submissão de plano modificativo aos credores, desde que comprovados os impactos da pandemia sobre a situação econômico-financeira da empresa e o cumprimento do plano original até 20.03.2020. Tal data marcou a publicação do Decreto Legislativo n. 6, que reconheceu o estado de calamidade pública no Brasil em razão da covid-19.
Tal data também é considerada como termo inicial para as regras propostas no projeto de lei n. 1.179/2020, em tramitação no Senado Federal. A proposta “institui normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19)”, sem implicar, contudo, a revogação ou alteração dos dispositivos legais por ela impactados.
Entre as principais alterações do projeto, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), está a ampliação da vacatio legis da Lei n. 13.709/2018, também conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O diploma, cuja vigência estava prevista para agosto de 2020, esperaria mais um ano para entrar em vigor.
O projeto de lei 1.179/2020 também prevê a suspensão de prazos de prescrição e de usucapião, bem como prorroga o termo inicial para a instauração de processos de inventário e partilha para o dia 30.10.2020. A proposta, ainda, estabelece que as prisões por dívida alimentícia deverão ser cumpridas, exclusivamente, sob o regime domiciliar, além de alterar prazos e regras societários, como a prorrogação de prazos para a realização de assembleias e reuniões e a autorização para sua promoção na forma virtual, em consonância com a já mencionada MP 931/2020.
O projeto prevê, ainda, modificações no funcionamento dos condomínios edilícios, concedendo maior poderes aos síndicos, para fins de restrição ou proibição de determinadas atividades com o fim de prevenção à contaminação pelo coronavírus. Já em relação aos contratos de locação de imóveis urbanos, propõe-se o impedimento, até 31.12.2020, à concessão de liminar de despejo pelos fundamentos elencados no art. 59 da Lei n. 8.245/1991. Entre esses motivos, está a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, quando o negócio não foi – ou não é mais – garantido por caução, fiança, seguro de fiança locatícia ou cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento.
Ainda em relação a esses contratos, o projeto autoriza os locatários residenciais que tenham sofrido alteração econômico-financeira em razão de demissão, redução de carga horária ou diminuição de remuneração, a suspender, total ou parcial, o pagamento do aluguel com vencimento entre 20.03.2020 e 30.10.2020. Tais débitos deverão ser quitados de forma parcelada, a partir de 30.10.2020, com acréscimo de 20% (vinte por cento) sobre o valor vencido.
Tiago Cisneiros, advogado do Serur.
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