As empresas que tributam o IRPJ e CSLL no lucro presumido devem aplicar determinados percentuais sobre a receita bruta, com o objetivo de definir a base de cálculo desses tributos. As alíquotas do IRPJ e da CSLL incidem sobre o resultado dessa operação. Para os que realizam venda de mercadorias, os percentuais são 8% e 12% para o IRPJ e CSLL, respectivamente. Os prestadores de serviços, por sua vez, estão submetidos ao percentual de 32% para ambos os tributos. A RFB entendia que a venda de softwares prontos para uso, ainda que com pequenas customizações para o cliente, consistia em operação com mercadorias, de modo que incidiriam os percentuais reduzidos de 8% e 12%. Já o programa realizado por encomenda e personalizado para as necessidades do cliente, configuraria um serviço, tributado pelo coeficiente mais elevado, de 32%.
Essa distinção estava baseada em precedentes do STF sobre a natureza desses contratos, quando teve a corte que decidir a respeito do conflito de competência entre ICMS e ISS. O entendimento que historicamente prevaleceu era no sentido de que, nas operações de venda de “software de prateleira” – ou seja, programa de computador pronto para uso, ainda que sujeito a atualizações –, incidiria o ICMS, por se tratar de circulação de mercadoria. De outro lado, tratando-se de “software por encomenda”, haveria de incidir o ISS, por se tratar de uma prestação de serviços.
Contudo, em 2021, o STF alterou a sua jurisprudência e estabeleceu que em ambos os casos ocorre prestação de serviço, e não a venda de mercadorias, passando a incidir apenas o ISS. O caso analisado pela Corte não tratou do IRPJ e CSLL, mas a reviravolta da jurisprudência motivou a Receita Federal a também revisar seu entendimento sobre o cálculo dos tributos federais, através da Solução de Consulta COSIT n° 36/2023. Nesse documento, a Receita Federal determina que, a partir da sua publicação, a base de cálculo do IRPJ e CSLL relativa ao licenciamento de softwares, independente da sua natureza, deverá ser apurada pelo percentual de 32%. Essa manifestação implicou, portanto, aumento de carga tributária.
Acontece que, nos termos do art. 150, inciso III, alíneas “b” e “c” da Constituição Federal, eventual aumento da carga tributária só poderá produzir efeitos no exercício seguinte no caso do IRPJ, e após transcorrido o prazo de noventa dias, para a CSLL. Muito embora a Constituição Federal se refira à lei que institui ou aumenta tributo, é razoável o argumento de que, no caso do entendimento então consolidado da Receita Federal sobre o cálculo do IRPJ e CSLL no lucro presumido para as receitas decorrentes de licenciamento ou cessão de direito de uso de software pronto para uso, deu-se verdadeiro aumento de carga tributária, ao se revogar a Solução de Consulta Cosit nº 123, de 2014, e se firmar novo entendimento sobre a matéria.
Já se discutiu na jurisprudência a tese de que o princípio da anterioridade, constante do art. 150, inciso III, alíneas “b” e “c”, da Constituição Federal, deve ser interpretado segundo a sua finalidade de garantia e de proteção da segurança jurídica, de modo a evitar que o contribuinte seja surpreendido por um acréscimo de carga tributária, ainda que esse acréscimo não advenha de lei em sentido estrito (RE 564.225/RS, de 18.11.2014).
Assim, é possível o êxito de demanda judicial para afastar, pelo prazo da anterioridade anual (IRPJ) ou nonagesimal (CSLL), a cobrança dos tributos federais na forma da Solução de Consulta COSIT n° 36/2023. O argumento já foi acatado por juízo federal de Santa Catarina, que concedeu liminar favorável ao contribuinte.
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