Ensinaram-nos a ter vergonha, a ser frágil, a ser dependente e, acima de tudo, a ser mulher. O conceito de ser mulher, por séculos, esteve ligado ao atributo da fragilidade. Atributo esse que, para o mercado de trabalho, não seria tão positivo. Apesar de ainda estarmos vivenciando o patriarcalismo, a apartação e a desigualdade, estamos lutando para externar que ser mulher é muito mais do que isso que nos foi atribuído. Ser mulher é ser o que você quiser.
O chamado Dia Internacional da Mulher só foi oficializado em 1975, ano em que a ONU o intitulou para rememorar as conquistas políticas e sociais das mulheres. Embora tenhamos conquistado bastante espaço nos últimos anos, ainda estamos longe de atingir um equilibro, principalmente dentro do mercado de trabalho. Ao mencionar o termo mercado de trabalho, não me refiro somente às grandes empresas com milhares de funcionários, mas, sim, a qualquer nicho de trabalho que envolva relações sociais entre seres humanos.
Ainda que alguns ambientes específicos sejam mais propensos a gerar um desequilibro de gênero, meramente por questões históricas e culturais, o machismo continua presente em qualquer ambiente, afinal, ele ainda faz parte do nosso dia a dia. É extremamente raro conversar com mulheres que nunca tenham vivenciado algum tipo de assédio, seja em ambientes de trabalho ou até mesmo dentro da própria casa. Profissionais dessa área de pesquisa estimam que, em termos globais, uma em cada três mulheres já vivenciou alguma forma de violência de gênero ao longo da vida. Outros dizem que a porcentagem é ainda maior, tendo em vista que algumas mulheres acabam desconsiderando certas atitudes por já taxarem como “normal”.
Evitar esse tipo de constrangimento ainda parece inviável, infelizmente. O que carecemos, hoje, é de apoio, de soluções ágeis e confortantes, e, principalmente, de privacidade. Preservar a privacidade em casos de constrangimentos é um direito que todas nós deveríamos ter. Entretanto, esse direito parece distante quando o assunto envolve o assédio moral e físico, o machismo, e a hierarquia nas relações de trabalho entre homens e mulheres. Diante disso, vemos a importância e a necessidade de mudar a cultura de tratamento dado à mulher nesses casos.
A noção em torno da privacidade não é nenhuma novidade, estando inclusive, presente em nossa Constituição Federal de 1988. O que está mudando ao longo dos anos não é a noção da privacidade em si, mas, sim, o valor que atribuímos a ela. As pessoas estão cada vez mais conectadas em um mundo virtual, e, com isso, a exposição também aumentou significativamente. Com a crescente evolução das tecnologias, e com o sucesso das novas redes sociais, o mundo está conectado de uma forma que nunca esteve antes. O “problema” disso está diretamente relacionado com a privacidade das pessoas. Um conteúdo publicado na internet, por exemplo, dificilmente será esquecido ou apagado.
Com isso, viu-se a necessidade de tutelar esse direito de forma mais rigorosa. Na data de 14 de agosto de 2018, tivemos a aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD, cujo fundamento principal, além da proteção dos nossos dados pessoais, é o respeito à privacidade da pessoa natural. Esta Lei visa proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade. O que podemos e devemos enxergar através dessa legislação é também uma oportunidade. A LGPD nos abre portas no que diz respeito a proteção da nossa privacidade, como mulheres. E como poderíamos usá-la em nosso benefício?
Ao se considerar que você, mulher, vivência ou vivenciou algum tipo de constrangimento ou assédio dentro do seu ambiente de trabalho, mesmo que de forma sutil (se é que existe alguma forma sutil de assédio[1]), recomenda-se que seja reportado o quanto antes para uma pessoa de confiança dentro da organização. É importante ressaltar a seriedade em termos mulheres presentes na alta gestão das organizações, que possam atuar em situações dessa natureza. A pessoa responsável por dar assistência deverá manter sigilo, e, principalmente, preservar a privacidade da mulher em todos os momentos da resolução do conflito.
Nos casos mais graves em que o assunto precisa ser levado para fora da organização, os dados pessoais e a privacidade da mulher também deverão ser preservados em todos os momentos. A LGPD assegura, como fundamento, a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem e traz também como princípios, dentre vários outros, a transparência, que garante aos cidadãos clareza no tratamento dos seus dados pessoais e o Princípio da Segurança, que abrange a utilização de medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados.
Além disso, o conceito de dado pessoal trazido pela LGPD diz respeito a qualquer informação que seja relacionada à pessoa natural de forma identificada ou identificável. Isso significa que o conceito de dado pessoal não é apenas uma característica objetiva como um número de CPF, mas, sim, qualquer informação por meio da qual seja possível identificar uma pessoa. Por exemplo: “fulana de cabelo loiro que trabalha no escritório X, denunciou o chefe ciclano de assédio”. Com essas informações contidas na frase, é possível identificar quem fez a denúncia e quem foi o denunciado.
O que se destaca, também, é a importância da criação de comitês que possam cuidar dessas denúncias. Apesar de estarmos distante de conter todos os problemas relacionados a assédios, constrangimentos e afins, há pelo menos algumas garantias de proteção à nossa privacidade. Isso poderá nos dar mais conforto e segurança em situações delicadas nos quais poderá ser necessário partir para instrumentos mais severos como de denuncias e processos, nos quais envolvam o compartilhamento dos nossos dados pessoais.
Por fim, estes debates sobre desigualdade de gênero e assédios dentro dos ambientes de trabalho vêm aumentando e fortalecendo bastante as mulheres. O problema está presente quando é preciso relatar um caso de assédio, o que muitas vezes acaba sendo tão doloroso quanto o próprio ato, e isso desencoraja muitas mulheres. Entretanto, ressalto a importância de instrumentos, comitês, e legislações que reforçam a seriedade da privacidade de todos os seres humanos, para que tenham força e coragem para enfrentar situações desagradáveis, evitando que a sua vida seja exposta a qualquer custo.
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